BLOG DO DODÔ

COTIDIANO E HISTÓRIA

 
 Por Luís Salvador - Dodô

 Dodô é professor, palestrante, historiador da cidade de Mimoso do Sul

 

Laboratório da Flora Medicinal fundada por Dr. José Monteiro da Silva



04/05/2021 23h50 Atualizado em 05/05/2021 0h07



O Laboratório da Flora Medicinal foi oficialmente fundado no Rio de Janeiro em 23 de março de 1912 pelo médico mineiro Dr. José Ribeiro Monteiro da Silva com o nome de ‘J. Monteiro da Silva & Cia’. O nome ‘Flora Medicinal’ só foi incorporado à razão social da empresa quase meio século depois, em dezembro de 1961, embora desde a sua fundação a expressão ‘A Flora Medicinal do Dr. J. Monteiro da Silva’ fosse amplamente usada (MOISÉS, 2002). O seu fundador nasceu em 1863, na Freguesia do Espírito Santo do Mar de Espanha, Minas Gerais, formando-se em medicina em 1887 na Escola de Medicina do Império, no Rio de Janeiro. Nesta época o diretor da Instituição era o Dr. Vicente Cândido Figueira de Sabóia, que foi diretor durante o período de (1881-1889). O doutor Monteiro da Silva, como era conhecido, era um homem rico, cafeicultor, dono de Várias fazendas em
Mimoso do Sul, no Espírito Santo, além de terras em Minas e imóveis no Rio de Janeiro. Assim, a Flora Medicinal não era simplesmente mais um empreendimento comercial, mas uma forma que o médico encontrou para disseminar e comprovar o poder curativo das plantas brasileiras. O seu interesse pelas plantas medicinais surgiu durante as longas caminhadas pelas florestas e matas da região e onde possuía a fazenda ‘Belmonte’.

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José Ribeiro Monteiro da Silva era filho do fazendeiro Carlos Ribeiro da Silva e de Francisca de Paula Monteiro da Silva, ambos de famílias tradicionais. Discreto, reservado, de hábitos rígidos no trabalho e na vida pessoal e totalmente avesso à vida social, parece ter feito questão de legar à posteridade o estritamente essencial sobre a sua vida profissional e privada. A morte dos seus dois filhos por complicações de parto parece ter marcado a sua formação.

Sem descendentes diretos, voltou-se inteiramente para a vida profissional e para o estudo das plantas medicinais. Monteiro da Silva via nas plantas medicinais uma forma de medicina alternativa, acessível à maioria da população humilde do país. Apesar da sua fortuna, José Ribeiro deixou claro, durante as comemorações do Jubileu da Flora Medicinal, que o pequeno capital necessário para a criação daquele laboratório foi oferecido por um comerciante de uma modesta casa de plantas verdes e secas. Durante esse período, a Flora Medicinal expandiu em 100 vezes o comércio de plantas medicinais brasileiras. No Jornal do Commércio do Rio de Janeiro, ele publicou dezenas de artigos onde não só descrevia as qualidades das plantas medicinais brasileiras, mas também ensinava como prepará-las. Quando o Laboratório foi fundado, já se conhecia muito da química das plantas brasileiras mais utilizadas, mas o valor terapêutico ainda estava baseado nas tradições populares. A ideia de Monteiro da Silva era transformar a crendice das plantas medicinais numa verdadeira ciência. Os primeiros produtos registrados pela Flora Medicinal foram a Agoniada, depois consagrada como Haguniada (o registro é de 1918), Carpasina (1923), Piper (1923) Rheumoflora (1924), Myristica, depois Asthmoflora (1924), chá Porana (1923), chá Romano (1926), chá Paulista (1923), Kókolos (1923), Desmodium (1926), Verbena (1923), Eczoflora (1927), Suma Rosa (1918), Seiva Jatobá (1918), Abóbora D’Anta (1923), Passiflora (1924), Lungaciba (1926) e Mikania (1928). Parte da matéria prima utilizada pelo laboratório era proveniente das próprias fazendas que José Ribeiro possuía em Mimoso do Sul, mas ele também fornecia plantas in natura para outros laboratórios, farmácias e boticas.



O laboratório foi inicialmente instalado no sobrado do número 38 da rua São Pedro, mas logo se expandiu, ocupando o pavimento superior e em seguida todo o prédio ao lado. Neste local, os médicos atendiam os pacientes e prescreviam medicamentos fitoterápicos que eram adquiridos ali mesmo. Era uma antiga prática das boticas que ressuscitava. A partir de 1936, o laboratório onde eram preparados os medicamentos mudou-se para a rua Barão de Petrópolis, no bairro do Rio Comprido, embora a parte administrativa permanecesse no centro da cidade. Em 1943, após permanecer mais de 40 anos no mesmo local, a administração, os consultórios e a redação da Revista da Flora Medicinal foram transferidos para o número 195 rua Sete de Setembro, até a sua extinção. Ali funcionava uma grande biblioteca especializada em fitoterapia, aberta a todos os interessados.

Em 30 de novembro de 1936, o Prefeito do Rio de Janeiro, Olympio de Melo, nos termos do Decreto 104 de 13 de outubro do mesmo ano, declarou o Laboratório da Flora Medicinal como sendo de utilidade pública, com todas as implicações que isso provocava. A empresa era quase familiar. Manoel de Carvalho, cunhado de Monteiro da Silva, era chefe do laboratório; seu irmão, Gervásio Monteiro da Silva, era o administrador da fazenda em Mimoso do Sul e responsável pela remessa das plantas para o Rio de Janeiro; José Monteiro de Rezende, sobrinho do fundador da empresa e farmacêutico por formação, era sócio minoritário e administrador do laboratório. O estudo, a divulgação prática e o controle dos fitoterápicos ficavam sob o controle do próprio José Ribeiro. Durante as décadas de 30 e 40, a Flora Medicinal foi um dos maiores laboratórios farmacêuticos do Brasil, com representantes em vários Estados e até mesmo no exterior (Portugal e Argentina). Além disso, enviava regularmente remessas de fitoterápicos e plantas para os Estados Unidos, China, Paraguai, Holanda e Inglaterra. Em propaganda veiculada na sua revista, o laboratório declarava estar pronto a fornecer qualquer quantidade de plantas medicinais e industriais para exportação. O Laboratório da Flora Medicinal não se limitava ao lado comercial com a produção de fitoterápicos. Em outubro de 1934, foi lançada a Revista da Flora Medicinal e em 1936 foi instituído o Prêmio Dr. Joseé Monteiro da Silva, destinado aos trabalhos publicados sobre plantas medicinais brasileiras.

José Monteiro da Silva estava convencido de que: A Flora Medicinal crescerá ainda mais com o seu Laboratório para o preparo de seus produtos e pesquisas de novos vegetais, tornando cada vez mais racional o estudo de nossas plantas e concluía: Iniciativa de brasileiros é um padrão de capacidade das que têm a ventura de nascer à sombra do auriverde pendão (MONTEIRO DA SILVA, p. 336).

Em 1956, com o seu falecimento, assumiu a administração da empresa José Monteiro de Rezende e a empresa entrou em período de crises sucessivas, sobrevivendo graças aos consumidores fiéis que confiavam no valor dos fitoterápicos. A situação ficou ainda mais difícil com a morte deste em 1960; e a Flora Medicinal entrou em gradual declínio. A situação chegou ao limite de saturação e da continuação da própria empresa. Em 1982, o Laboratório da Flora Medicinal foi vendido com todo o seu patrimônio estrutural, incluindo marcas e patentes, para Raimundo Correa Gomes, comerciante do ramo de ferragens e material de construção. O que já era grave tornou-se insustentável, e em 1996, o Laboratório da rua Barão de Petrópolis foi interditado pela Vigilância Sanitária.

Em 1999, a Natura Cosméticos S.A. completava 30 anos, e na sua expansão, adquiriu o Laboratório da Flora Medicinal. No final do ano 2000, foram relançados cerca de 50 produtos tradicionais da Flora Medicinal. Saneada, a empresa teve em 2001 um crescimento de 360% em relação a 2000. Em 2002, esse crescimento foi de 500% (MOISÉS, 2002).






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