Na última quinta-feira (30) o suicídio do maior líder nazista da Alemanha, Adolf Hitler ficou confinado no bunker da Chancelaria de Berlim, e pouco antes das 16h, o tiro mais importante da Segunda Guerra Mundial.
Continue lendo após a publicidade |
O corpo de Adolf Hitler foi encontrado por seus apoiadores em cima de um sofá, em uma das suas mãos havia uma pistola Walther calibre 7,65 mm.
Hitler vestia a túnica do seu uniforme, uma camisa branca com gravata preta e calças pretas. No mesmo sofá estava sentada, também morta, envenenada com cianureto, sua esposa desde a véspera, Eva Braun, com as pernas encolhidas e os lábios apertados.
O quarto tinha um intenso cheiro de pólvora. A notícia correu rapidamente pelo bunker da Chancelaria, de SS para SS: “Der Chef ist tot”, o Chefe está morto.
Continue lendo após a publicidade |
O desconfinamento de Hitler três meses depois, pela via do suicídio, significou na prática o fim do seu regime —embora oficialmente o III Reich tenha continuado existindo, com seu designado sucessor, o almirante Doenitz, à frente— e abriu as portas à rendição da Alemanha em 8 de maio e ao fim da guerra na Europa.
Que Hitler foi uma pessoa má não é novidade alguma, mas as alturas de perversidade que o líder nazista alcançou em sua última etapa são impressionantes.
Hitler não só demonstrou uma absoluta insensibilidade por seu próprio povo, prolongado seus sofrimentos enquanto pôde e tratando de levá-lo à aniquilação absoluta, como também atribuiu a derrota aos próprios alemães e os considerou indignos dele, e de sobreviver.
Não haveria de se mostrar mais caridoso, certamente, com suas vítimas: em seu testamento —ditado na noite de 29 de abril a sua secretária, Traudl Junge—, uma autojustificação e uma tentativa de projetar seu ódio além de sua própria vida, não há nenhum vislumbre de arrependimento, reconhecimento de culpa ou compaixão, apenas uma reafirmação de todo o seu programa de violência e aversão, e até um presunçoso alarde de genocídio (no documento há uma clara alusão à Solução Final) que é de uma vilania repugnante.
A única coisa boa que se pode dizer de Hitler é que naquele 30 de abril, com seu disparo, liberou o mundo de um ser infame.
No começo de 1945, nem a ofensiva das Ardenas nem os esforços por atirar mais carne à guerra através da Volkssturm —os soldados recrutados entre os muito idosos ou muito jovens para combaterem (morreram inutilmente mais de 175.000 membros dessas unidades)— tinham servido para reverter a situação de derrota em todas as frentes.
Em quatro meses do ano anterior as forças armadas alemãs tinham perdido mais de um milhão de homens, a guerra aérea era quase unilateral, os submarinos já não podiam fazer nada… Claramente o fim se aproximava. Mas Hitler continuava confiando irracionalmente em que algo aconteceria. Por outro lado, no fundo estava consciente de que para ele não havia nenhuma saída.
Continue lendo após a publicidade |
Em seu ideário não cabia a rendição, que equivalia a repetir a “punhalada pelas costas” de 1918. Toda sua carreira política tinha sido encaminhada para que não houvesse jamais outra capitulação “covarde”.
Além disso, tinha consciência —como todos do seu entorno, inclusive, como se viu, Goering e Himmler— de que sua própria pessoa era o obstáculo para qualquer possível saída negociada da guerra. Tudo o que restava, como salienta Ian Kershaw em sua monumental e canônica biografia (Hitler – Um perfil do poder, Jorge Zahar Editor, 1993), era seu posto na história como um herói alemão derrubado pela fragilidade e a traição. Sabia também que os Aliados não o tratariam com flores caso se rendesse.
Esperava-lhe uma forca ou algo pior, que o aterrorizava: que os soviéticos o exibissem, prisioneiro e humilhado, como um monstro de quermesse. Assim, para ele não havia pessoalmente nada em jogo. A aposta pelo tudo ou nada o levava irremediavelmente a um nada.
Teatro macabro
Muito já se escreveu sobre esse teatro macabro que foi a época final de Hitler no bunker, desde The last days of Hitler [“os últimos dias de Hitler”], de Hugh Trevor-Roper, a investigação do autor em 1945 por encomenda dos serviços secretos dos Aliados ocidentais para confirmar que o líder nazista tinha morrido em vez de fugido de submarino para a Argentina ou para uma base secreta na Antártida —a NKVD soviética fez sua própria pesquisa para Stálin, reunida no relatório Hitler – até Berlim 1945, a Queda, de Antony Beevor (Record, 2004). Mas talvez seja um filme, A queda (2004,) com Bruno Ganz, o que mais contribuiu para criar a imagem popular do como aquilo se deu.
É preciso observar, como fez Beevor, que o filme, apesar de aparentemente fiel à história, apresenta alguns traços inquietantes, como a identificação que se cria pela lógica narrativa com personagens tão sinistros como a secretária Junge, mostrada com uma inocência irreal, ou com o médico e Obersturmbannführer das SS, Ernst-Günther Schenck, assim como a aura de solenidade que se imprime a algumas cenas que são sopa no mel para os neonazistas.
A realidade no bunker, segundo Beevor e outros historiadores, era muito mais sórdida e vulgar, e não esteve isenta de humor negro.
Os cômodos de Hitler no bunker, um verdadeiro submarino de cimento, eram muito pequenos, e sua vida foi se tornando cada vez mais restrita, enquanto, lá embaixo, perdia-se a diferença entre o dia e a noite. Costumava se levantar ao meio-dia e ficava acordado até alta madrugada. Já estava muito deteriorado fisicamente, gasto, envelhecido e com tremores na mão esquerda. Reinava ao seu redor uma atmosfera de irrealidade.
Continue lendo após a publicidade |
A notícia, em 12 de abril, da morte do presidente Roosevelt introduziu brevemente um raio de otimismo. Hitler tinha a remota esperança de que se abrisse um frente anticomunista com a incorporação da Alemanha. Mas em 16 de abril chegou a grande ofensiva soviética, com um milhão de soldados sob o comando de Zukov e Konev, e se afundou toda a frente do rio Oder: Berlim já estava na mira.
No dia 20, o último aniversário de Hitler, que completava 56 anos, os tanques do Exército Vermelho já estavam nos subúrbios da cidade. Kershaw conta que a partir de então ligavam do bunker, aleatoriamente, para números da lista telefônica perguntando: “Desculpe, a senhora viu os russos?”. “Passaram por aqui faz meia hora, eram parte de um grupinho de 12 tanques”, lhes respondia a interlocutora do outro lado da linha. Isso se não atendesse alguém cantando Kalinka.
A morte de Hitler criou um vazio quase palpável no bunker, passando do ambiente de crepúsculo dos deuses ao de sauve qui peut, mais diretamente a fuga dos ratos. Foi como se todo mundo se desse conta da realidade. Era preciso dar um fim aos cadáveres o mais rápido possível, os russos não deveriam encontrar o Führer na poltrona. Envolveram os corpos em mantas —o de Hitler com a cabeça coberta— e os subiram, com muito menos cerimônia do que em A queda, ao jardim da Chancelaria, terminando o desconfinamento.
Nazismo x Comunismo / Direita ou esquerda?
A discussão sobre se o movimento nazista alemão teria as mesmas origens do marxismo ganhou fôlego com a polarização do debate político no Brasil.
Mas historiadores entrevistados pela BBC Brasil dizem que há uma "confusão de conceitos" que alimenta o debate e explicam que o movimento se apresentava como uma "terceira via".
"Tanto o nazismo alemão quanto o fascismo italiano surgem após a Primeira Guerra Mundial, contra o socialismo marxista – que tinha sido vitorioso na Rússia na revolução de outubro de 1917 –, mas também contra o capitalismo liberal que existia na época. É por isso que existe essa confusão", afirma Denise Rollemberg, professora de História Contemporânea da Universidade Federal Fluminense (UFF).
"Não era que o nazismo fosse à esquerda, mas tinha um ponto de vista crítico em relação ao capitalismo que era comum à crítica que o socialismo marxista fazia também. O que o nazismo falava é que eles queriam fazer um tipo de socialismo, mas que fosse nacionalista, para a Alemanha. Sem a perspectiva de unir revoluções no mundo inteiro, que o marxismo tinha."
A ideia de uma "revolução social para a Alemanha" deu origem ao Partido Nacional-Socialista alemão, em 1919. O "socialista" no nome é um dos principais argumentos usados nos debates de internet que falam no nazismo como um movimento de esquerda, mas historiadores discordam.
"Me parece que isso é uma grande ignorância da História e de como as coisas aconteceram", disse à BBC Brasil Izidoro Blikstein, professor de Linguística e Semiótica da USP e especialista em análise do discurso nazista e totalitário.
"O que é fundamental aí é o termo 'nacional', não o termo 'socialista'. Essa é a linha de força fundamental do nazismo - a defesa daquilo que é nacional e 'próprio dos alemães'. Aí entra a chamada teoria do arianismo", explica.
Visita do Presidente Brasileiro
O presidente Jair Bolsonaro visitou em abril do ano passado o centro de memória do Holocausto Yad Vashem, em Jerusalém, museu público israelense que lembra as vítimas e aqueles que combateram o genocídio de seis milhões de judeus pelos nazistas.
Bolsonaro visitou a exposição Flashes of Memory – Fotografia durante o Holocausto. E também depositou flores em homenagem às vítimas do nazismo e assinou o livro de honra do memorial.
Além do museu, o complexo Yad Vashem abriga um importante centro de pesquisas sobre o período nazista.
Ao abordar a situação alemã após o Tratado de Versailles, que selou a paz entre as principais potências europeias após a Primeira Guerra, o museu explica que havia um clima de frustração que, "junto a intransigente resistência e alertas sobre a crescente ameaça do Comunismo, criou solo fértil para o crescimento de grupos radicais de direita na Alemanha, gerando entidades como o Partido Nazista".